PRESIDENTE BOLSONARO, GRANDE DESIDEOLOGIZADOR

APRESENTAÇÃO
O tema abordado agora é imposto pelo momento político atual. Tomara que as ideias expostas ajudem a compreender o que é IDEOLOGIA e assim agir de uma maneira consciente e responsável.

PRESIDENTE BOLSONARO,
GRANDE DESIDEOLOGIZADOR

Já no discurso da posse em primeiro de janeiro do ano em curso, o Presidente eleito prometeu libertar o Brasil da ideologia; nem precisou explicar que se referia ao grupo de esquerda que governara o Brasil nos períodos precedentes. A mesma preocupação mostrou o novo Presidente em pronunciamentos posteriores, por exemplo, no discurso durante sua visita aos Estados Unidos.
Passemos a uma assembleia totalmente diferente: o CELAM (Conselho Episcopal Latinoamericano) reunido em Puebla, México, para deliberar os rumos que seguiria a Igreja Latinoamericana a partir de então (março de 1979). Discutia-se o documento das conclusões. Os bispos que comentavam o teor do documento a ser emitido mostravam suma preocupação com o que eles chamavam “a ideologia” ou “ideologias” (plural). A discussão foi encerrada quando um dos participantes desafiou os colegas: “quem estiver livre de qualquer ideologia, atire a primeira pedra”.
Obviamente, a voz de alerta dos Bispos era com relação ao marxismo. Cabe lembrar que desta vez a Conferência Episcopal estava sob a autoridade de João Paulo II, ferrenho antissocialista. Já o Presidente brasileiro não demorou em demonstrar o que ele entendia por “ideologia” e em que rumo encaminharia a Nação que agora estava sob sua liderança. Basta mencionar as suas primeiras visitas a EUA, Chile e Israel.
Ideologia é um termo filosófico dos mais usados atualmente, afirma Villoro (p. 15). Mas deve admitir-se que nem todos conhecem realmente seu significado, pois “engloba a totalidade das concepções culturais de um determinado agrupamento humano, numa determinada fase de sua evolução histórica” (P. Lyra, p. 87). O sentido do que viria a se entender por “ideologia” é tão antigo quanto a formação de agrupamentos humanos e o uso discursivo da linguagem. Platão (s. IV a. C.) afirmava: “Os homens erram, ou porque se enganam, ou porque distorcem a verdade por força de seus interesses” (Bosi, p. 11 – Itálico meu). O termo só aparecerá no Ocidente no s. XVIII, cunhado por Destutt de Tracy e referido apenas à formação das ideias (Bosi, p. 14).
Marx e Engels se utilizaram do mesmo e o enriqueceram com um sentido especial. A partir deles, ideologia, junto com conscientização, luta de classes, revolução… , passou a formar parte do arsenal “ideológico” da Esquerda. No entanto, nem Marx nem Engels definiram o que entendiam por ideologia. Eles, segundo A. Bosi em sua obra “Ideologia e contraideologia”, levantaram a possibilidade de uma resposta não só teórica, mas prática, ativa, de uma contraideologia” (p. 120). Mas o termo não prosperou; surge então o plural: ideologias, burguesa e proletária, baseadas nos textos de Marx e Engels. Um conceito que se aproxima e que às vezes se usa como sinônimo de ideologia, é visão do mundo ou cosmovisão (Weltanschaung – alemão). Levando em consideração textos e contextos, os estudiosos do socialismo detectam um sentido amplo de Ideologia, e a definem como:
Conjunto de ideias sobre o mundo e a sociedade, que responde a interesses, aspirações e ideais de uma classe social em um contexto social dado e que orienta e justifica uma prática acorde com esses interesses, aspirações e ideais (JM, p. 14).
A princípio essa definição vale tanto para a ideologia de cunho progressista quanto para a conservadora. Em ambas se trata de uma ação movida por interesses, aspirações e ideais; ambas se utilizam dos meios que julgam mais apropriados para atingir seus objetivos. Convém também observar as diversas conotações que ideologia pode adquirir. Fala-se, então, de “ideologia antiga, oriental, ocidental (…) colorações diversas do ideal socialista de certos grupos em tempos e espaços diferentes” (Lyra 1993, 87). Porém, prevaleceu o uso de Ideologia referido à de esquerda, com o determinante marxista ou comunista, nem sempre explícitos. Era assim que a utilizavam os Bispos em Puebla, é esse também o sentido da ideologia no discurso do presidente Bolsonaro.
Após o esfacelamento da União Soviética e o banimento dos levantes socialistas na América Latina, o mundo ocidental se apresentou unificado sob a bandeira do capitalismo. Cuba conseguiu sobreviver, apesar das hostilidades de todo tipo e do boicote por parte de Estados Unidos. No resto da América Latina, após períodos de ditaduras de direita, patrocinadas quase sempre pelos EUA, seguiu uma época de paz, com regimes geralmente de direita revezando-se no poder. No entanto, cabe aqui a observação: “Por sobre múltiplas ramificações pelo menos duas grandes ideologias, nitidamente perceptíveis coexistem em cada sociedade estratificada: a da classe dominante que visa à conservação da ordem vigente pela preservação de seus privilégios, e a das classes exploradas, que visa à superação dessa ordem para a implantação de uma nova” (Lyra, o. c., p. 90).
Vejamos agora qual a ideologia que tem predominado em duas “sociedades estratificadas”, isto é, as nações mais representativas do conjunto de Latino-américa: Brasil e México. O primeiro, após um período de governos de esquerda, elegeu um presidente de direita, de extrema direita. No caso do México a guinada foi no sentido contrário: pela primeira vez em quase um século chega à presidência um candidato da esquerda. E a novidade ainda maior é que o voto tenha sido respeitado. Assim o primeiro de dezembro de 2018 toma posse André Manuel López Obrador. Portanto, as duas nações que poderiam ser o carro-chefe do Continente ao sul do Rio Grande, caminham em direções opostas.
Para encerrar retomamos os itens abordados no início de nosso escrito. Lembremos em primeiro lugar a promessa (seria ameaça?) do presidente Jair MESSIAS Bolsonaro de libertar o Brasil da ideologia. Passados 100 dias do novo governo o campo escolhido para a limpa foi a educação. Concretamente foram enfocadas as ciências humanas, vistas como dispensáveis. Consequentemente, sem esse “fardo” as Universidades devem ter um orçamento menor. A resposta a essa atitude ideológica do Presidente foram as manifestações multitudinárias nas principais cidades do Brasil em 15.05. Pelo visto não será fácil o Presidente realizar a sua tarefa “messiânica” – libertar o Brasil, desideologizâ-lo. Alguém muito conhecido pelo papel que desempenhou outrora na política da nação (Antonio Delfim Neto) aconselha combater o “marxismo cultural com argumentos lógicos e debates, não com o incêndio da Universidade” (Carta Capital, 08.05.16).
Outro ponto que merece ulterior explanação é o relativo a ideologia e religião. Cioran as considera afins, pois ambas são “cruzadas contra o humor” (Palomo, p. 124). Vimos já no começo do texto a preocupação dos bispos com as ideologias. A Igreja Latino-americana, depois de Medellin e sob a influência do Concilio Vaticano II brandia um instrumento novo em folha na luta contra o poder de Satanás, sim, mas também contra os demos (humanos) responsáveis pelas injustiças sócias contra o povo. No Brasil quem tentou passar da teoria para a prática foi o bispo Pedro Casaldáliga. A situação de violência e injustiça em que se encontrava sua diocese em S. Felix da Araguaia era intolerável. Alguns bispos conservadores, junto com os fazendeiros locais imediatamente o denunciaram como “subversivo”, “comunista”… . Em suma, denunciado por aderir à ideologia socialista, ele revidou perguntando se não era, antes bem, a Igreja conservadora que agia sob os ditames da ideologia capitalista. Boa pergunta, acicate que estimulará a busca da resposta.
Fechamos com chave de ouro, isto é, com duas estrofes do poema, certamente ideológico, do bispo que, além de teólogo da libertação, é também poeta.
CEMITERIO DO SERTÃO
Para descansar
Eu quero só
Esta cruz de pau
Com chuva e sol,
Estes sete palmos
E a Resurreição! (Estribilho).

Mas para viver,
Eu quero ter
A parte que me cabe
No latifúndio seu:
Que a terra não é sua,
Seu doutor Ninguém”
A terra é de todos
Porque é de Deus.
Para descansar…

Bibliografia
BOSI, Alfredo, Ideologia e contraideologia. Companhia das Letras, São Paulo, 2009.
CABESTRERO, Teófilo, Los poemas malditos del obispo Casaldáliga. Editorial Española Desclée de Brouwer – 1977.
CAMORLINGA, J. Maria, Ideología y moral. CCH – UNAM, Área de ciencias histórico sociales, México, 1986.
LYRA, Pedro, Literatura e ideologia. Ensaios de sociologia da arte, 2ª ed., Rio de Janeiro 1993.
PALOMO, José, LITERATOS. Fondo de Cultura Económica, Mexico, 2007.
VILLORO, Luis, El concepto de ideologia. Fondo de Cultura Económica, México, 2007.